
Sábado, dia 21/09 de 2019, Kazimierz Wojno, popularmente conhecido pela alcunha de Padre Casemiro, celebrou a missa das 18:30 na igreja Nossa Senhora da Saúde, localizada na quadra 702 norte, em Brasília, como regularmente fazia. Na ocasião, um dos tópicos sobre os quais mais discutiu foi o da violência que se generalizava na sociedade. Finda a celebração, dirigiu-se a uma obra que ocorria nos fundos do terreno do santuário, onde também ficava sua casa, com intuito de fiscalizar a empreitada. Para seu horror, entretanto, em seu aguardo estavam quatro indivíduos com as piores das intenções. O desfecho do encontro, que durou entre 2 e 3 horas, rendeu, para os criminosos, dinheiro, objetos de ouro, cheques, eletroeletrônicos e garrafas de bebida. Em seguida, o grupo saiu para comemorar o sucesso do ato com álcool e ostentação; Casemiro, em contrapartida, não teve a mesma sorte: não bastasse terem furtado um valor significativo, deixaram o padre, então com 71 anos, com as mãos e pernas atadas, assim como com um arame fortemente amarrado em seu pescoço, que o estrangulou e o levou à morte por asfixia, e uma lesão na cabeça.
Quem foi Padre Casemiro
Kazimierz Andrzej Wojno nasceu na Polônia, no dia 3 de fevereiro de 1948. No decorrer de sua vida, praticou o sacerdócio durante 46 anos. Sua vinda ao Brasil, mais especificamente à Brasília, foi motivada por um discurso do Papa João Paulo II, conterrâneo de Wojno, no qual pregou que aqueles com o dom do sacerdócio deveriam disseminar os ensinamentos cristãos pelo mundo.
Marian Kulesza, colega de seminário e amigo de Kazimerz enquanto estudaram em Lomza, cidade pequena próxima à Varsóvia (capital da Polônia), afirmou que Wojno foi “[…] ao Brasil após esse alerta da Igreja de servir ao povo. Foi uma intenção muito pura. Ele respondia ao que a Igreja pedia”.
Kazimerz chegou à Brasília na década de 80, justamente com o intuito de edificar os ensinamentos cristãos, tanto figurada como literalmente, visto que se dedicou, inclusive com a própria mão de obra, à construção de um salão paroquial em que pudesse pontificar a Palavra. A Paróquia Nossa Senhora da Saúde foi o resultado de seus esforços.

A Arquidiocese de Brasília descreveu padre Casemiro, como ficou conhecido pelos fiéis que frequentavam suas missas, como um entusiasta da fotografia. O sacerdote era frequentemente visto com uma máquina fotográfica em mãos para que pudesse fotogravar as celebrações e distribuir as imagens entre os amigos da paróquia e colegas.

Às quartas-feiras, tornou-se costume de Casemiro celebrar missas para pacientes e servidores no Hospital Regional da Asa Norte (HRAN). Outrossim, Tânia Maria (63), uma das fiéis da igreja de atuação do padre, o definiu como um “educador”, merecendo tal título em razão do seu trato com os moradores de rua e outras pessoas que buscavam ajuda.
Anos anteriormente à sua morte, Casemiro superou um câncer de próstata, o que não o impediu de continuar promovendo atos litúrgicos, nos quais passou a discorrer, sobretudo no período recente que antecedeu seu falecimento, sobre a violência que eivava o cotidiano da população.
Uma das razões pelas quais o tema tornou-se mais premente foi a onda de furtos a santuários religiosos, incluindo à igreja Nossa Senhora da Saúde, que teve seu sacrário furtado, que guardava cerca de 100 hóstias e era avaliado em R$ 20.000,00 — que, mais tarde, seria devolvido pela dona de um ferro-velho que adquiriu a peça. Além disso, a única câmera de segurança da paróquia havia sido quebrada durante um furto ocorrido em janeiro de 2019, no qual foram levadas caixas de som.

O padre João Firmino, colega de Casemiro na igreja Nossa Senhora da Saúde, informou que, em sua última homilia, celebrada minutos antes do início do crime, o padre teria falado sobre a violência: “Ele disse que o mundo não podia caminhar da forma que está. Muitos crimes: assaltos, roubos. O padre ainda perguntou porque temos que viver com isso?”. Firmino também disse que Casemiro pretendia reforçar a segurança da paróquia, embora não tenha tido a oportunidade de concretizar o desejo.

O crime
Na noite do dia 21/09 de 2019, num sábado, padre Casemiro encerrou o que seria a sua última missa por volta das 19h. Do ato litúrgico, saiu para fiscalizar uma obra que ocorria nos fundos da paróquia. Um grupo de quatro criminosos, entretanto, após terem pulado a grade que cercava a igreja, já o esperava em sua casa, que fica no mesmo terreno da igreja, e logo o emboscaram.
O bando rendeu o sacerdote, atando suas mãos e pés para que não pudesse intervir. José Gonzaga da Costa (39), o caseiro que fora criado pelo pároco desde os seus 16 anos e trabalhava na propriedade, recebeu o mesmo tratamento, tendo braços e pernas amarrados, assim como a boca tomada de plástico, conforme relataram testemunhas que o encontraram após o ato, que consideraram que poderia estar morto.

José foi transportado ao HRAN após a fuga dos ladrões e a chegada da polícia, para que pudesse tratar as escoriações derivadas das amarras e agressão. Entrevistado pelo Metrópoles, o caseiro sinalizou alívio pela recuperação e a posterior prisão dos suspeitos, declarando, enquanto olhava para o céu: “Graças a Deus. Deus é bom”; no entanto, não se pronunciou a respeito de Deus ter sido bom ou não quanto à morte de Casemiro.
“Não faz isso, não faz isso.” Segundo o caseiro, foi pelo o que Casemiro clamava enquanto assistia desamparado ao desenrolar do crime. A razoável resistência do padre, que zelava, sobretudo, pelos bens de cunho religioso que guardava em sua casa, incitou a raiva dos criminosos, que, malgrado tenham ido com o intuito primordial de furtar bens valiosos, decidiram assassinar o idoso, utilizando, para tal, um fio de arame, com o qual estrangularam Wojno. Com requintes de crueldade e sem chances de se defender, o homicídio do pontífice foi consumado. Antes de deixarem o local, o corpo de Casemiro foi deixado para o lado de fora da residência.

Laércio Rosseto, delegado da 2ª Delegacia de Polícia da Polícia Civil da Asa Norte (Brasília-DF), indicou que o crime teria sido premeditado, pois os criminosos conheciam a rotina da casa, dividiram-se entres os dois andares para garantir a eficiência do roubo e arrombaram um cofre de 1,5m de altura. Além disso, as ferramentas utilizadas pertenciam ao imóvel; os bandidos não levaram equipamentos para tal fim — embora estivessem munidos de armas de fogo.

“O que entendemos é que eles estavam indo especialmente atrás desse cofre. Eles sabiam que havia o cofre lá, usaram equipamentos que existem na própria residência, de maneira que não precisaram levar nada. É um cofre de um metro e meio, de concreto e aço, com duas portas, isso indica que foi estudado. Eles sabiam o que iriam encontrar lá.”, concluiu o delegado quanto à premeditação do ato.
Segundo a denúncia do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), o grupo subtraiu “a importância de R$ 3.500,00, dois notebooks, duas garrafas de whisky e cordão de ouro, pertencentes [ao padre Casemiro], e um aparelho celular pertencente [ao caseiro José]”.

Célio Gonzaga da Costa, irmão de José, estava adormecido no momento de início do ato. A fuga dos ladrões teria ocorrido apenas quando ele finalmente acordou e foi “ao resgate”: “Meu irmão contou que eram quatro criminosos. Eles pularam a grade, mas eu não ouvi porque estava dormindo. Acordei quando meu telefone vibrou por volta das 21h30. Foi quando ouvi meu irmão gritando socorro e fui acudir. Nesse momento eles fugiram”, explicou Célio.
Vídeos de câmeras de segurança evidenciaram parte da movimentação dos bandidos, assim como auxiliaram na identificação de um deles.


A fuga, inicialmente a pé, foi completada via transporte coletivo até a parada de Santa Maria. De lá, entraram num carro e se dirigiram a Valparaíso de Goiás.
Embora não hajam sido divulgadas, as imagens que atestam a consumação do crime foram registradas pelo celular de um dos partícipes, incluindo o assassinato brutal do padre. O Instituto de Criminalística da Polícia Civil do Distrito Federal, no laudo atinente ao aparelho mencionado, também evidenciou a reação dos criminosos após concluírem o ato: participaram de festas regadas à álcool enquanto ostentavam objetos roubados do padre e de sua casa, incluindo seus crucifixos de ouro.
Entre os dias 24 e 25 de setembro, as forças policiais identificaram os suspeitos e os autuaram. Os dois primeiros foram presos em Valparaíso, enquanto o terceiro foi detido no Novo Gama. No dia 28 de setembro, o último envolvido foi localizado e levado sob custódia, após ter sido apreendido por tráfico de drogas e se encontrar no Centro de Prisão Provisória de Luziânia, no Entorno do Distrito Federal, mesmo depois de tentar fornecer dados falsos acerca de sua identidade.
Julgamento e condenação dos criminosos

O juízo da 7ª Vara Criminal de Brasília foi designado para julgar a ação proposta contra os réus: Alessandro de Anchieta Silva, de 19 anos (à época); Daniel Souza da Cruz, de 29 anos (idem); e Antônio Willyan Almeida Santos, de 32 anos. O quarto suspeito do crime, por ser menor (17) no período no qual o ato foi consumado, não teve sua identidade revelada e respondeu como menor infrator.
Anchieta, Cruz e Santos foram julgados e condenados pelos crimes de latrocínio (isto é, roubo seguido de morte da vítima; art. 157, § 3º, II do Código Penal), roubo majorado pelo concurso de pessoas, restrição da liberdade da vítima e emprego de arma de fogo (art. 157, § 2º, II e V c.c. § 2º-A, I, do CP) e corrupção de menores (art. 244-B da Lei 8.069/1.990, o Estatuto da Criança e do Adolescente).
O magistrado encarregado de solucionar a causa, na dosimetria da pena, destacou o crime foi cometido com extrema violência e que os réus possuem antecedentes criminais por delitos graves. Não obstante, indicou que a corrupção de menor agravava a conduta, assentando que “resta induvidoso que os réus oferecem risco à ordem pública e que medidas cautelares diversas da prisão mostram-se insuficientes ao caso”.
A personalidade de Anchieta também foi relevante no sentenciamento: “A completa ausência de compaixão e de qualquer sentimento do réu em relação a vida humana é retratada em Laudo Pericial em que foram reveladas fotografias do aparelho de telefone celular do acusado no momento da ação criminosa de ambas as vítimas. E o mesmo Laudo, apontou a completa ausência de remorso por parte do sentenciado, pois no dia seguinte ao crime, existem fotografias que o retratam sorrindo, fumando o que aparenta ser um cigarro de maconha e usando a corrente que pertencia ao padre assassinado”, dirimiu o juiz.
Nos termos da publicação do TJDFT, “Alessandro de Anchieta Silva teve a pena unificada em 37 anos, cinco meses e cinco dias de reclusão; Daniel Souza da Cruz sofreu a condenação de 35 anos, um mês e 13 dias; e Antônio Wyllian de Almeida Santos restou condenado a 37 anos, 10 meses e 15 dias de prisão. O regime inicial de cumprimento de pena dos três acusados será o fechado e o juiz manteve a prisão preventiva dos réus, que não poderão recorrer em liberdade.”
Os réus, porém, no caso de a sentença ser mantida em eventual recurso, poderão cumprir, no máximo, 30 anos, por força do art. 75 do CP. Atualmente, a Lei nº 13.964, de 24 de dezembro de 2019, mais conhecida como “Pacote Anticrime”, alterou a redação do dispositivo, ampliando a limitação do cumprimento de pena para 40 anos; contudo, como a vigência da lei iniciou-se após o fato criminoso haver transcorrido, isto é, no dia 21 de setembro de 2019, em que ainda vigorava a redação antiga do art. 75, em virtude do princípio tempus regit actum, a lei penal produzirá efeitos de acordo com a lei vigente na época do fato.
O legado do latrocínio do padre Casemiro
O assassinato brutal do sacerdote polonês tornou premente a insegurança na região onde o crime ocorreu, no caso, a W3 da Asa Norte, o levou vários entrevistados pelo Metrópoles a admitir o medo que sentiam ao transitar na região no período noturno; no entanto, de forma mais geral, denotou o grave problema de segurança nos estabelecimentos religiosos.
Em geral, igrejas são de acesso irrestrito ou, pelo menos, simples, incluindo a invasão pela escalada de muros ou cercas. A facilidade de entrada nesses locais tem deixado cada vez mais comum esse crime: até o fim de setembro de 2019, 163 ocorrências de furtos a santuários foram registradas só em Brasília, o que já era um aumento de 8% relativamente a 2018.
O próprio autor deste artigo já teve a oportunidade de presenciar — virtualmente — a invasão e tentativa de furto numa igreja. Ao frequentar a casa de um amigo, seu pai noticiou um alarme em seu celular e foi verificar as câmeras da igreja da qual é coordenador, às quais possuía acesso remoto. Para sua surpresa, um sujeito havia pulado a grade que cercava o perímetro e adentrado o recinto através de um rombo no telhado de uma parte em que este era de modesta altura. No fim, o indivíduo falhou em furtar um botijão de gás por não conseguir o passar pelo telhado (embora pudesse apenas ter saído por uma das portas que podiam ser abertas apenas por dentro). O pai do aludido amigo, que alegou não ser a primeira vez que um incidente do tipo ocorre, preferiu não prestar queixa, o que mostra que os números podem ser ainda maiores do que reportados.
O caso acima é, certamente, trivial, mormente quando comparado ao horror do latrocínio na Paróquia Nossa Senhora da Saúde; não obstante, denota a propensão que tais locais têm a serem furtados ou, dependendo das circunstâncias e dos presentes no recinto, haver maiores consequências.
À época da tragédia, o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), decretou luto oficial de três dias, declarando que “O assassinato do padre Casimiro, um homem de paz, amado e admirado por todos, não só choca como nos leva a refletir sobre a sensação de insegurança que recai sobre todos nós. Expõe uma dura realidade que precisamos enfrentar com determinação”. No trecho do seguinte, o chefe do executivo do DF fez a seguinte afirmação:
“Por mais preparada e equipada que esteja a polícia, por mais rigorosas que sejam as leis, a criminalidade violenta expõe sua face onde e quando menos esperamos. A violência deixou de ser um problema localizado, é um problema de todo o Brasil. Para enfrentá-lo, estou convencido que precisamos promover uma verdadeira revolução, uma mobilização geral com engajamento de todas as forças de bem de nossa sociedade e da polícia.”
Entrevistado, Ibaneis também mencionou o aumento do efetivo das forças policiais e do patrulhamento como soluções necessários para o combate à criminalidade.

Conclui-se, tendo em vista o exposto até aqui, que, primeiramente, é recomendável que os frequentadores de centros religiosos recomendem aos coordenadores do estabelecimento que invistam em aparato de segurança e evitem se expor a situações como a do padre Casemiro. Em segundo lugar, é de se concordar com o governador do DF quanto à necessidade do investimento na segurança, porquanto a lei certamente é ineficaz na mitigação da criminalidade (não por seu conteúdo, mas por circunstâncias práticas, as quais serão discutidas em outro momento), pelo menos para o combate do crime a curto prazo.